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    A Dor, Alexandre Faria


    A Dor

    Esse texto é sobre a minha mãe (sim, pasmem, tatuador tem mãe), embora algumas pessoas achem que tatuadores e tatuados são filhos do demo, que não acreditam em Deus e que nasceram de chocadeira, mas isso já é assunto pra abordarmos noutra ocasião, no momento, voltemos à minha mãe. Já notaram que o que mãe fala, sempre acaba acontecendo? O dia pode estar radiante, 40 graus, a sombra e o céu limpo sem nem sombra de nuvem, se ela falar pra você levar uma blusa, meu amigo, leve, pois é mais fácil a lei de Murphy falhar do que não esfriar de uma hora pra outra.

    Há uma coisa que minha mãe fala desde que eu comecei a tatuar que sempre me chamou a atenção, e sei, que todo tatuador já ouviu isso centenas de vezes: “Você é louco? Até parece que eu vou pagar pra sentir dor!" Bem, nesse caso tenho que abrir um parênteses e chego a conclusão que, como toda regra tem uma exceção, essa é a exceção a regra de que tudo que minha mãe fala está certo. Ou talvez seja mesmo, apenas um equívoco, que se resolveria olhando o ato de tatuar por um outro prisma. Ninguém que se tatua está pagando para sentir dor, se fosse assim teria que concordar que isso não faria sentido, pra que pagar se você pode conseguir isso de graça? Bastaria ir a própria cozinha pegar um objeto pontiagudo e ferir a própria pele, ou optar por um infindável número de outros métodos. Não! Quem se tatua não está interessado na dor, o que ela quer é uma bela obra de arte em seu corpo, o que ela está pagando é pelo talento e a arte de um profissional, que dará a ela a satisfação de exibir como uma marca eterna um símbolo de algo que pra ela era importante no momento, e que ela quer perpetuar e tornar público onde quer que esteja. A questão é que o método para se obter o objetivo desejado é doloroso. Essa visão porém é uma visão tipicamente influenciada pelo mal que assola a humanidade o preconceito. Certa vez alguém disse: “Vivemos num mundo triste onde é mais fácil desintegrar um átomo do que acabar com um preconceito”, Albert Einstein. O mais incrível é que quando ele escreveu isso, ainda não se imaginava ser possível quebrar o átomo.

    A maior prova de que a afirmação da minha santa mãezinha é preconceituosa, é que há muitos outros exemplos em que nos submetemos à dor para alcançarmos um fim estético.
    Ninguém diz, por exemplo, que é loucura se depilar com cera quente, ou passar horas numa academia forçando o corpo até seu limite e depois ficar mais três dias com dores até nos fios de cabelo, para no verão exibir um corpo sarado, ou mesmo a intervenções que além de dolorosas são ainda perigosas, como lipoaspiração e outros procedimentos, principalmente em clínicas mais baratas. Atletas por exemplo convivem com dores crônicas, muitas vezes apenas pela vaidade pessoal, ou ainda que seja por um patriotismo questionável, uma vez que são remunerados para isso. Mas nesse caso quando um atleta defende as cores da bandeira com uma fratura no tornozelo, competindo à base de medicamentos fortíssimos, não é encarado como loucura, mesmo sendo notório o prejuízo que ele esta causando a si mesmo, mas sim, visto como um ato heróico!

    Nós tatuadores e tatuados muitas vezes não passamos de “loucos” porém como é bom viver essa loucura, talvez nunca sejamos visto como heróis, mas ainda assim é gratificante ver a satisfação de um cliente ao ver um desenho que ficou do jeito que ele queria, ou a reação de alguém que vê seu nome ou retrato tatuado no corpo de um filho. Por falar nisso será que se eu tatuasse Sonia no meu braço minha mãe mudaria um pouco essa visão? Acho que sim, afinal, eu imagino quanta dor ela sentiu para colocar no mundo esse que viraria um “louco” tatuado e tatuador. Eu só tenho a agradecer a ela pela loucura de ter se submetido a essa dor para que hoje eu pudesse postar esse texto.


    Por Alexandre Faria (sob pseudónimo de Marcelo Freire)

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