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    Diário de Tatuador - Amor e ódio , Alexandre Faria



    Há muitas coisas na vida que são aparentemente controversas e, por vezes, até incoerentes. De todas essas talvez a mais sublime e inexplicável seja mesmo as coisas do coração.

    Já dizia o bardo: ”O coração tem razões que a própria razão desconhece.”

    A própria frase já é mais que paradoxal, mas encerra em si a tentativa, ainda que pálida, de resumir a complexidade desse sentimento tão vital ao ser humano, o amor.Talvez sejamos completos e nos distinguimos dos outros animais exatamente por estarmos expostos a certos tipos de sentimentos e sermos obrigados a lidar com os mesmos que, hora nos arrebata, hora nos faz querer matar, sim querer matar, por incrível que pareça são exatamente os crimes passionais que mais engoradam os índices de estatísticas.

    Matar em nome do amor!

    Outra frase também bastante conhecida é a de que o ódio e o amor andam lado a lado. Querem paradoxo maior que esse? Alguns chegam a arriscar dizer que de tão juntos por vezes se confundem. Há quem diga também que tatuador é meio que um psicólogo, ( Não, não estou aqui menosprezando a formação acadêmica de tais profissionais) mas o que temos em comum é que a cada sessão os nossos clientes acabam por falar de suas vidas, as vezes seus medos, as vezes suas angústias, e até sonhos, e, durante algum tempo., passamos a participar da história dessa pessoa, talvez, por que nossa arte fará parte de seu corpo dali em diante, esse vínculo de confiança se estabeleça. Eu, por exemplo, vejo isso com mais clareza pois tatuo a domicílio então o cliente não recebe apenas minha arte, mas me acolhe durante algum tempo muitas vezes em seu próprio lar.

    E a cena que me fez divagar sobre o que estou discorrendo aconteceu exatamente ontem. Tatuei o nome de uma mulher no peito de um homem. A tatuagem transcende barreiras, e por vezes não é mera questão estética, mas pode também ser uma verdadeira declaração de amor, um símbolo marcado a ferro, que demonstre publicamente, e de maneira eterna, os laços de confiança, de carinho de respeito, e claro, de entrega. A mulher, namorada do rapaz que eu tatuava, já havia o surpreendido na mesma semana, também com uma tatuagem minha. A reação dele não podia ter sido outra, chorou ao ver aquela linda demonstração. E agora, passava pelo mesmo ritual para retribuir de forma artística a homenagem.

    Muitas vezes, ouço até mesmo tatuadores criticando o ato de tatuar nome de namorados, confesso que também não tenho uma opinião formada sobre o assunto, talvez pelo fato de que eu mesmo não faria isso em meu corpo, ao menos não por enquanto pois nunca sabemos o que poderemos fazer no futuro. Mas, ao mesmo tempo que acho uma linda e inequívoca demonstração de amor, temo exatamente pela instabilidade do sentimento. Mas quando isso é feito principalmente por pessoas maduras, como o caso desse casal,ambos com mais de 40 anos, e não por um mero impulso adolescente, me questiono: Não estaríamos nós que lutamos tanto contra o preconceito sobre tatuagem, incorrendo no próprio erro? Afinal defendemos que tattoo precisa ser algo preferencialmente muito pessoal e exclusivo, logo uma relação a dois, seja efêmera como for, é, naquele momento, o ápice de tudo que é importante e significativo para os envolvidos.

    Ontem não foi diferente, novamente me perguntei se não devia rever minha posição, e aprovar incondicionalmente esse tipo de demonstração. Tatuagem terminada, e pouco tempo depois o clima entre o casal, por capricho do destino, e pequenos detalhes cotidianos, já não estava para declarações ou romantismo.

    Ahh o amor, uma tatuagem no peito ainda ardendo a pele irritada, e o que fervia era o calor da discussão, eu fui embora, não sei de detalhes do que se seguiu, posso apenas garantir que o clima não era dos melhores, acho que a noite foi marcada por discussões, aqui eu passo a expecular mas talvez até uma briga de proporções razoáveis, os corpos marcados em demonstração de carinho, as palavras proferidas sinalizando o contrário, amor e ódio, ódio e amor.

    O dia seguinte o clima já estava bom novamente... As pazes, e a cumplicidade de sempre. Teria sido a tatuagem? O ato de se submeter a algo tão definitivo teria pesado como referencia pra que notassem que não valeria a pena brigar por motivos tão banais e pasageiros??? Sinceramente não sei. Acho até que seria muita pretensão conferir a tatuagem essa responsabilidade.

    Em suma, não temos como tentar impor razões para o irrazoável, portanto deixemos assim, a tattoo apenas será o adorno de mais uma relação, que continuará intensa, contraditória, cheia de altos e baixos, mas ainda assim, como sempre foi desde tempos tão remotos como a própria tatuagem: Deliciosa e vital para nós!

    Portanto continuemos fazendo nossa parte emprestando nossa arte para selar esse sentimento tão sublime e ao mesmo tempo tão terrível...



    O amor!

    Por Alexandre Faria (sob pseudónimo de Marcelo Freire)

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