Dona de uma personalidade forte, com 80% do corpo tatuado e sem papas na língua, esta escorpiniana é presença fácil nas noites de Belo Horizonte.
Sua figura marcante que hora agride os puritanos, hora fascina os de mente aberta, provoca as mais diversas reações por onde passa.
Aos que não a conhecem à primeira vista, sua imagem pode parecer agressiva, mas quando se tem a oportunidade de melhor lhe observar, descobrimos que por traz da mulher gerreira, tem uma menina tímida.
Ana Paula, ou Annie Paul como é chamada, é esta mistura de pureza e caos. Uma pessoa ímpar que aqui você poderá começar a conhecer.
Ana, quando você se interessou pelo diferente?
Ainda criança eu costumava ficar fascinada com tudo que era exótico, diferente, principalmente se o exótico era preto.
Desde os 12 anos que me identifiquei com o lado obscuro das coisas e a cor preta me chamava muito a atenção.
A partir daí meu vestuário foi se tornando cada vez mais preto até que aos 13 anos só usava esta cor.
Não digo realmente que me interesso pelo diferente em sí, mas no que representam as atitudes.
Eu particularmente uso o preto porque em primeiro lugar é a cor que mais gosto, em segundo lugar porque representa o lado obscuro que me atrai e em terceiro, claro, porque amo o Heavy Metal.
Suas tatuagens em geral possuem temas relacionados ao paganismo e seres infernais. Porque aderiu a estes motivos?
Acredito que a tatuagem deva expressar os verdadeiros sentimentos de quem a utiliza e no meu caso, exteriorizo em meu corpo minha total apatia em relação à bondade humana. Gostaria de tatuar flores e pássaros coloridos se percebece alguma possibilidade do ser humano ser diferente para com seu planeta, para com seu próximo.
Ao contrário, à cada dia só vejo aumentar as injustiças e a imundície que aflora em todo campo político e social deste país e porque não, deste mundo.
As minhas tatuagens obscuras representam esta visão política e meu corpo pode ser então, o modo que encontrei para demonstrar toda minha indignação quanto a isto.
Sua visão política é impressionante. De onde vem estas certezas?
Pode parecer um tanto demagôgo dizer isto, mas de minha família mesmo.
Meu pai é uma pessoa de mente muito aberta e com uma visão crítica do mundo que me marcou muito e talvez seja o meu maior exemplo de luta contra os preconceitos. Ao contrário, minha mãe é uma pessoa totalmente religiosa, quase uma beata, que sempre quiz me impor suas crenças advindas de gerações de católicos praticantes. Convivi diariamente na minha infância com este paradoxo e de alguma forma isto me abriu a mente para as realidades do mundo. Se hoje tenho uma visão da realidade de como o mundo se transformou numa caixa de pólvora pronta para explodir, é porque desde cedo tive a oportunidade de enxergar o lado da consciência livre e também da tolida pela crença.
Seus pais. Como encaram sua postura e principalmente seu visual?
Meu pai apesar de preferir que eu fosse uma menina digamos "normal" como qualquer pai cuidadoso, encara numa boa minha iniciativa de tentar ser eu mesma. Ele não me critica por ter um visual diferente e apóia minhas idéias e a profissão que escolhi. Já minha mãe, como não poderia deixar de ser, não aceita minha postura em relação a religião, as roupas que visto e nem de longe acredita que o body piercing é uma profissão de verdade. Para ela eu vivo num mundo de fantasias e que um dia vou acordar e rezar uma novena com ela.
Além de filha você também é mãe. Conte um pouco sobre isto.
Sim. É verdade. Tenho uma filha de 4 anos, razão da minha vida. Hoje como mãe eu até entendo o que a minha deseja para mim. Mas sei também que minha filha terá o direito sagrado de escolher seu próprio destino e não quero para ela um futuro de mentiras. Hoje em dia as crianças, desde muito cedo, recebem todo tipo de imformação precocemente e entendem muito bem o que acontece ao seu redor.
Procuro mostar para a Ághata que ser uma menina legal é saber respeitar para ser respeitada. E isto eu acredito, é o maior preceito que um pai pode passar para seu filho. Com a maternidade aprendemos que existe um vínculo muito forte entre os seres humanos e minha filha veio para me trazer esta esperança de que ainda poderá haver um mundo melhor desde que as crianças de hoje sejam preparadas para a realidade global e não apenas para seguir dogmas a muito falidos.
No meio adolescente você é idolatrada. Você acha que está influenciando a juventude com seu modo de ser e agir?
Acredito que a mídia influencia as pessoas. O indivíduo quase não tem este poder. Quando uma menina de 14 anos chega perto de mim e me pede um autógrafo, muitas vezes não sabe quem eu sou mas vê em mim um espelho daquilo que indiretamente a estão transformando. Acho triste saber que as criancas de hoje não são preparadas para entender seu tempo e por isto, muitas vezes na forma de rebeldia tentam ser diferentes e agir nem sempre da forma que se esperaria, para demonstar que existe além de um filho cujas responsabilidades são enormes para sua idade, uma pessoa com sentimentos, alegrias e tristezas, cheias de vontade de ser algo na vida mas que sempre batem com o problema da imposição familiar. Se amanhã surgirem centenas de novas Ana Paulas por aí, não atribuam a mim a responsabilidade, mas sim ao simples fato de a própria sociedade estar criando uma nova geração de céticos que não acreditam e não querem seguir os pseudo-valores impostos pela manipulação de massa.
Quando e como você comecou a colocar piercing?
Profissionalmente a 9 anos atrás quando completei 18 anos, época que fui trabalhar no Exotic Estúdio do Magrão na Savassi, mas desde os 13 anos já gostava de me perfurar. Meus primeiros piercings eu mesma apliquei em mim e meu primeiro furo foi um piercing no nariz. Segui lotando as orelhas, perfurando a lingua, supercílio e o umbigo.
Não digo de forma alguma que outras pessoas tentem fazer o mesmo. Pois antes de me perfurar sozinha já tinha tido a oportunidade de conversar com profissionais e buscar toda informação sobre estes procedimentos. Hoje em dia as pessoas vão fazer seu piercing e nem sequer procuram saber sobre a procedencia da jóia, as complicações decorrentes do uso indevido, dos riscos para a saúde, etc... e isto é uma questão que deve ser muito bem observada.
Por sorte à medida em que o piercing se populariza, está havendo também uma grande campanha para a conscientização sobre os riscos da prática nos meios de comunicação e até mesmo entre os adolescenters que já estão criando um senso crítico mais apurado em relação às questões de saúde como no caso da Aids.
E suas tatuagens. Quando fez sua primeira?
Aos 18 anos com o André Tattoo do New Look. Não tinha me tatuado ainda pois meus pais proibiam que eu me tatuasse enquanto menor de idade, mas como não podia deixar de ser, assim que completei a maioridade realizei meu sonho de possuir uma tattoo. Hoje em dia tenho quase 80% do corpo tatuado e ainda pretendo fazer mais algumas... Acho que ainda tem muito espaço (brinca).
Você que já está no meio profissional a quase dez anos, dever ser muito perguntada se tatua. Realmente isto acontece?
Sim. E como. Tenho muitos clientes de piercing que sempre dizem que se eu fosse tatuadora iriam fazer comigo. Na verdade eu já andei namorando a tatuagem. Possuo um material básico que estou utilizando para dar minhas primeiras agulhasdas. Tenho treinado um pouco e estou amando esta possibilidade de extender meu conhecimento dentro daquilo que amo.
A tatuagem é muito técnica.
Tenho acompanhado em meu prórpio corpo a diferença do trabalho de um profissional para outro no tocante à técnicas de aplicação, maior ou menor gráu de sofrimento nas seções, etc... Acho que isto vai me ajudar muito pois tenho mais de 300 horas de tatuagem em meu corpo e isto realmente faz alguma diferença.
Por outro lado, eu tenho plena consciência do que a tatuagem representa, e não vou sair por aí estragando peles. Pretendo fazer um bom curso de tatuagem e praticar muito e muito em pele de porco, pele artificial, etc.. até me sentir totalmente segura e começar a praticar em pele humana.
Hoje em dia com a facilidade de acesso a materiais, onde se encontra kit de tatuagem até por R$200,00 dava para prever que o nível da tatuagem estaria comprometido devido ao despereparo daqueles que começam comprando um kit e saem por aí ganhando dinheiro fácil de pessoas desavisadas.
Se um dia me tornar tatuadora, pode ter certeza, que foi depois de ter estudado muito. E disto não abro mão.
Qual o seu estilo preferido?
Tanto para me tatuar, quanto para tatuar os outros, prefiro o Black and Gray. Realmente o que mais gosto são trabalhos em preto e cinza. Gosto de desenhos bem sombreados com temas sinistros e nesta linha me identifico muito com o trabalho do Paul Booth que com certeza será uma das minhas inspirações para trilhar meu caminho na tatuagem.
Cite um tatuador brasileiro que você também admira.
Carlos Cabral. Este cara tem uma técnica que me impressiona.
Tatuagens e piercings ja foram taxados muito negativamente. Você sofre ou já sofreu preconceito?
Antigamente era bem pior. Pessoas sem informação te atacavam simplesmente por não aceitar uma nova questão estética. Tatuados e piercerizados eram taxados como marginais, gente que não presta, normalmente associados às drogas ou ao crime.
Hoje, diante da grande exposição que a mídia faz diariamente de famosos tatuados ou com piercing, quando debatem o comportamento em rede nacional ou entrevistam profissionais sobre o tema ou mesmo ao brir um salgadinho, encontramos tatuagens para crianças, temos uma maior abertura na consciência das pessoas e gradativamente o piercing e a tatuagem vem adquirindo status aceitável dentro da sociedade.
A discriminação ainda existe e forte. Mas eu sou uma profissional da área e exigo respeito. Quem não gostar do meu visual que mude de mesa ou atravesse a calçada. Eu não vou me abater por saber que quem me discrimina não sabe quem eu sou.
Como é para você expor-se em público?
Pode não parecer mas eu tenho realmente um problema com isto. Sou tatuada e ponto final. Eu gosto de mim assim e não me acho anormal. As pessoas ao contrário quando me vêem pela primeira vez se assustam ou ficam muito curiosas e eu não gosto disto. Sou uma pessoa, pode não parecer, extremamente tímida, e o olhar de curiosidade ou reprovação das pessoas me incomoda um pouco, por isto evito frequentar locais onde eu seja a atração, como uma aberração de circo. Sou uma mulher normal, com sentimentos normais e desejos também normais. Não vivo e não prego o preconceito e não gosto de ver pessoas sendo discriminadas. Seja por sua cor, seja por sua crença seja por sua postura diante da sociedade. Acredito que todas as pessoas são livres para se expressarem e meu visual é apenas isto: uma forma de expressão. Mas não aceito de ultrapassem o limite de minha individualidade e muito menos que me vejam como alguém diferente, por mais que possa parecer.
Ana Paula - ENTREVISTA
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